«A Companhia Industrial de Fafe, empresa
moageira que, possuindo uma queda de água na margem do rio Ferro, se propunha
com ela explorar também o ramo de fiação e tecidos, não pode levar a bom termo
esse projecto, pois, entrando subitamente em crise, careceu de capital não só
para enfrentar as dificuldades surgidas como para prosseguir na obra planeada.
Em tão difícil e delicada emergência um
grupo de sócios, orientado pelo experimentado e sabedor capitalista portuense
Sr. José Ribeiro Vieira de Castro, sugeriu, em assembleia-geral de 15 de
Dezembro de 1886, que se procedesse à remodelação dos objectivos industriais da
Companhia, circunscrevendo a sua actividade apenas ao ramo têxtil e
aumentando-lhe o capital de modo a satisfazer os encargos resultantes.
Aceite o criterioso alvitre, logo se
passou à sua execução prática e, assim, já a 17 de Janeiro de 1887 eram
aprovados os estatutos da Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe», com o capital
de duzentos contos e sede no Porto.
Para conduzir os destinos da nova sociedade
anónima foi eleita uma Direcção de três membros, que ficou constituída pelos
Srs. António Joaquim de Morais, José Ribeiro Vieira de Castro e João
Evangelista da Silva Matos.
Em 1890 este último afastou-se do cargo,
do que resultou a Direcção ser ulteriormente apenas exercida pelos dois
restantes administradores, norma que se manteve durante longos anos.
Por impedimento do Sr. António Joaquim
de Morais, substituiu-o nas funções em 1897 o Sr. Manuel de Lemos, que concedeu
ao Sr. Vieira de Castro uma colaboração valiosa, possibilitando que ambos
realizassem em prol da empresa uma obra apreciável, pois, a partir de 1900, a
fábrica começou a tomar incremento, ampliando as instalações e reapetrechando
as oficinas.
O Sr. José Ribeiro Vieira de Castro
faleceu em 1905, sucedendo-lhe na gerência o Sr. Manuel Cardoso Martins,
dedicado funcionário da sociedade, onde desde 1897 ocupava o lugar de
guarda-livros. Em 1916, e por morte do Sr. Manuel de Lemos, entrou para a
Direcção o Sr. Albano
Vieira de Castro, sobrinho do fundador,
e que também desempenhara cargos de responsabilidade como empregado da firma.
Unidos por elevado espírito de mútua compreensão, e conhecendo ambos todos os
problemas profissionais que poderiam interessar ao progresso da empresa, os Srs.
Manuel Cardoso Martins e Albano Vieira de Castro, seguindo o exemplo dos seus
antecessores, imprimiram à fábrica várias remodelações sucessivas, algumas
delas ainda em curso, e conseguiram não só dar maior extensão às oficinas como
também construir novos corpos edificados para a instalação de aperfeiçoadas
secções de branqueação, tinturaria e acabamentos. O concurso técnico do Sr.
Engenheiro João Mendes Ribeiro Guimarães, em 1946 eleito Director, veio-lhes
facilitar essa exaustiva tarefa a partir de 1933, data em que o mesmo começou a
prestar serviços da sua especialidade na Companhia.
Graças ao aperfeiçoamento dos artigos
produzidos, à sua larga difusão comercial nos mercados consumidores da
Metrópole e do Ultramar e em virtude ainda da lúcida administração interna,
esta empresa conhece hoje um nível industrial deveras importante, que se traduz
pela sólida cotação das suas acções na bolsa nacional.
Equipada com dezoito mil fusos e
setecentos e oitenta e três teares mecânicos, a «Companhia de Fiação e Tecidos
de Fafe» ocupa nas suas vastas oficinas aproximadamente mil e trezentos
operários, aos quais, desde há muito tempo, presta uma assistência social
relevante e que pode ser considerada com justiça um dos principais motivos de
orgulho da actuação directiva, pois constitui obra de modelar exemplo.
Muito antes de outras organizações
estabelecerem benefícios aos seus empregados no sentido de lhes assegurar a
tranquilidade futura, instituiu a «Companhia de Fafe» subsídios de reforma aos
operários atingi dos por doença, invalidez ou velhice, encargo que, fielmente
cumprido e executado, representa hoje, para o seu cofre, a despesa anual de
cerca de trezentos mil escudos.
Durante a guerra de 1914-1918, a fim de
obstar à especulação que absorvia totalmente os salários dia a dia mais
elevados, a gerência montou também uma grande cantina destinada a abastecer o
pessoal com os géneros de primeira necessidade, vendidos a preços mínimos e
forneci dos a crédito ou em pagamentos suaves. O lucro dessa cantina, que
funcionou e funciona vantajosamente para os interessados, reverte a favor dos
consumidores.
Tendo depois fundado uma creche e
lactário com duzentos leitos, a Direcção, em 1926, abriu uma escola infantil
anexa que, de seguida, completou com escolas primárias, onde o ensino è
presentemente minis trado por seis professores contratados e pagos pela
Companhia. Quatrocentas crianças são assim carinhosamente amparadas e educadas,
sem que os pais tenham de fazer qualquer sacrifício ou prejudicar o seu
trabalho. Para eles também existe uma cozinha económica, dotada de amplos e
confortáveis refeitórios, onde lhes são servidas, a preços extraordinariamente ínfimos,
abundantes e variadas refeições.
Assistência médica permanente, exercida
por clínicos privativos da fábrica, vela pela sua saúde. Este serviço é
autónomo e nada tem com aquele que se refere a acidentes de trabalho. Finda a
tarefa diária, os operários podem utilizar nas suas abluções balneários
modernos e higiénicos.
Coroando tão bela obra humanitária, cujo
valor e significado mereceram das entidades superiores expressivas provas de incentivante
louvor, a «Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe» erigiu excelentes bairros e
moradias para habitação de grande parte dos seus assalariados, que, a troco de insignificantíssimas
rendas, passaram a dispor de casas construídas segundo as exigências da mais
perfeita profilaxia, cada qual possuindo quarto de banho particular e
saneamento conveniente.
Independentemente das actuais
disposições da lei, que cumpre com o máximo rigor, a empresa realiza, portanto,
uma protecção social espontânea e benemerente, que, exigindo-lhe o sacrifício
de avultadas somas, traduz com inusitado brilho o espírito compreensivo da
Direcção perante as necessidades de todos os seus colaboradores, mesmo os mais
humildes, cujo bem-estar colectivo ela sempre sobrepôs ao interesse mercantil
que representa.»
In Bastos, Carlos, "O Algodão no Comércio e na Indústria Portuguesa", Porto, 1947.