«Com a inauguração do Caminho de Ferro
de Guimarães a Fafe, que, como estava anunciada, teve lugar no domingo passado,(21 de Julho de 1907) realizou-se por completo uma das aspirações mais ardentemente desejadas por
aquela formosa vila e que constitui um importantíssimo melhoramento que muito
há-de contribuir para o alargamento das relações comerciais e económicas das
duas localidades ligadas pela nova linha férrea.
Há perto de 20 anos que o falecido
António de Moura Soares Veloso, honrado gerente da Companhia do Caminho de
Ferro de Guimarães, trabalhava para a realização de tão notável melhoramento de
interesse publico. Mas a sua morte prematura fez com que o ilustre morto não
visse realizada a sua obra, apesar do esforço, da tenacidade e da persistência com
que trabalhou para a consecução do seu desiderato.
Ainda bem que o actual gerente Sr.
António Reis Porto, pondo toda a sua inteligência e boa vontade ao serviço
daquele importante melhoramento, pôde levar a cabo a obra iniciada pelo seu
antecessor.
O comboio inaugural partiu da estação de
Guimarães às 11 horas e 58 minutos da manhã, tirado por duas locomotivas que se
achavam adornadas com flores e embadeiradas. A primeira era a «Porto», dirigida
pelo engenheiro construtor da linha Sr. Francisco José Ferreira de Lima. A
outra era a «Negrellos» na qual tomou lugar o Sr. Joaquim Lopes, chefe do
movimento.
Logo que o comboio se pôs em marcha, as
numerosas pessoas que enchiam a gare por completo e as imediações da estação,
romperam em entusiásticas aclamações subindo ao ar girândolas de foguetes
enquanto duas bandas de musica tocavam o hino nacional.
Em Paçô, que é a primeira estação da
nova linha, o comboio inaugural era esperado por grande número de pessoas e
pela comissão dos festejos de Fafe constituída pelos Senhores comendador dr.
Arthur Vieira de Castro, conselheiro Florêncio Monteiro Vieira de Castro,
Bernardino da Cunha Mendes e Luis Augusto da Silva Dourado.
Depois de uma demora de 15 minutos, o
comboio pôs-se em marcha no meio de calorosas manifestações de entusiasmo.
Pouco antes da 1 hora da tarde o comboio
deu entrada na estação de Fareja, onde a sua chegada era aguardada por 2 bandas
de música e muito povo que levantou vivas entusiásticos.
No apeadeiro de Cepães também a passagem
do comboio foi muito festejada.
Teve ali uma pequena paragem, seguindo o
comboio inaugural logo para Fafe, dando entrada na estação da vila à 1 hora e
17 minutos da tarde.
Ali a chegada do comboio era aguardada por
uma enorme ajuntamento de povo que se espalhava pelas imediações da estação.
Logo que o comboio inaugural se avistou subiu ao ar uma grande girândola de
foguetes e 3 bandas de música executaram o hino da carta no meio de um
verdadeiro delírio.
Ao lado do cais da estação erguia-se uma
tribuna de madeira para onde subiram os diversos convidados afim de se proceder
ao acto da inauguração.
O auto inaugural foi lido pelo Sr.
Francisco Garrido Monteiro, sub-gerente da Companhia e em seguida assinado
pelas pessoas presentes.
Pelas 5 horas da tarde realizou-se o
grandioso banquete de 120 talheres na Casa do Santo, que foi primorosamente
servido pela Confeitaria Oliveira do Porto.
Às 10 horas e 15 minutos da noite partiu
de Fafe o comboio expresso, que passou em Guimarães às 11 horas e 20 minutos, e
seguiu para o Porto onde chegou à 1 hora e meia da noite.
As nossas felicitações cordiais ao Sr.
Reis Porto.
REPRESENTAÇÃO
Na passagem do comboio inaugural da
linha de Fafe pela estação de Fareja, foi entregue por uma comissão de
cavalheiros de Jugueiros composta dos Senhores comendador Joaquim Valentim
Pereira Guimarães, Antonio J. Leite Fernandes, Manoel Augusto Leite Fernandes,
Francisco de Sampaio Guimarães, Antonio de Almeida, Diniz Lobo, Guilherme
Fernandes Sobrinho, presidida pelos Senhores dr. Antonio Rocha Pereira e Manoel
Rebelo de Carvalho, digníssimo administrador do concelho de Felgueiras, ao Sr.
Dr. Joaquim José de Meira a representação que transcrevemos na integra do nosso
colega «A Palavra»:
“Ilustríssimo e ex.mo Senhor dr. Joaquim
José de Meira, muito digno representante de s. exª o presidente de conselho e
ministro do reino, Sr. Conselheiro João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco.
Os abaixo assinados, habitantes da
freguesia de S. Pedro de Jugueiros, do concelho de Felgueiras, neste dia
festivo em que pela primeira vez se repercute estridulo pela quebrada dos
nossos montes tão queridos o silvo álacre da locomotiva, pregoeiro do Progresso
e da Civilização, vem muito grata e respeitosamente saudar v. ex.ª como
representante de s. ex.ª o Senhor conselheiro João Ferreira Franco Pinto
Castelo Branco, ilustre presidente de conselho e ministro do reino e ao mesmo
tempo depor em suas mãos esta representação que sintetiza não só o de há muito
sonhado desejo dos signatários, mas o de toda esta ridente zona norte do
concelho de Felgueiras, incontestavelmente uma das mais ricas e produtivas do
país.
Ex.mo Senhor!
Desde há muito que os signatários e com
eles o resto do concelho de Felgueiras pediam a passadas situações uma estrada
de ligação que, derivando da estação de Fareja, do caminho de ferro de
Guimarães a Fafe comunicasse com o concelho de Felgueiras, pela povoação do Assento,
da freguesia de Jugueiros melhoramento este na diminuta extensão de três
quilómetros aproximadamente. – Baldados porém foram todos os esforços; e, se
houve alguma vez a esperança ridente da realização de tão importante como
inadiável melhoramento que nos colocaria em rápida comunicação com o resto do
país, feneceu ela logo ao começo em virtude de confessa anomalia em serviços de
viação, preterindo-se justíssimas reclamações, para só serem atendidas
insofridas clientelas na renda de pedir em troca das mais injustificáveis
veniagas.
Expediram-se telegramas oficiais,
lavraram-se portarias, nomearam-se engenheiros para procederem aos respectivos
estudos; jazeram porém numa imobilidade de esfinge os teodolitos e pentometros
e nós, talqualmente Penélope de que reza a fábula, vimos feita e desfeita a
teia de mentidas promessas, evocando por vezes ao nosso incrédulo espírito a
celebre exclamação do venerando e estóico solitário de «Vale de Lobos»: «Isto
dá vontade de morrer!!»
No meio porém de um acerbo desmoronar de
ideias e de crenças, morta por completo a esperança rediviva de uma nova era de
redenção pátria, surge ao fim a espartana e altiva figura da justiça guiada
pela imperterrita e inquebrantável mão do ilustre homem de Estado a quem v. exª
neste momento tão dignamente representa e o país começa de respirar um influxo
vivificante sentindo-se rejuvenescer sob a inteligência e sábia administração
que desfruta, bendizendo o feliz momento em que sua Magestade El-Rei houve por
bem chamar aos conselhos da Coroa o governo que tão patrioticamente nos
governa. E assim, neste momento em que outra vez nos assoberba vivida e fúlgida
como nunca, nós vimos, ex.mo Senhor, suplicar instantemente para que, assim
como tem sido atendidas as reclamações justas de outros povos, assim o seja
este nosso pedido, conseguindo s. ex.ª o presidente de conselho, ordene S.M.
El-Rei que, pelo ministério da pasta das obras publicas, comercio e industria
se proceda aos estudos da pretendida estrada de ligação da estação de Fareja,
com o concelho de Felgueiras com derivação pela ridente povoação do Assento, da
freguesia de Jugueiros, melhoramento este de capital importância e para a
realização do qual desde já oferecemos a quantia graciosa de um conto de reis e
a maior parte dos terrenos gratuitos. E, nada mais pedimos, ex.mo Senhor, nem
outra coisa suplicamos senão que seja v. ex.ª o interprete deste nosso ardente
desejo perante s. ex.ª o Senhor conselheiro João Ferreira Franco Pinto Castelo
Branco, ilustre presidente de ministros e ministro do reino, a quem neste
momento prestamos o fervoroso culto da nossa simpatia e respeitosa admiração,
fazendo votos para que ao enviar-lhe v. ex.ª esta nossa representação, encontre
ela no seu muito esclarecido animo a guarida que procura.
E a v. ex.ª a quem a laboriosa e fidalga
cidade de Guimarães se orgulha em ter como um dos seus mais lídimos e
prestigiosos filhos e cujo nome tem chegado até nós neste recanto de Entre
Douro e Minho, nimbado pela tríplice auréola de politico experimentado, sapientissimo
mestre e homem de ciência, confiadamente esperamos e a v. ex.ª pedimos seja o
nosso medianeiro perante o ex.mo ministro do reino nesta pretenção que nenhuma
outra coisa representa, senão o de engrandecer, tornando prospero o concelho e
rincão onde nascemos.
O Sr. Dr. Meira, ouviu atenciosamente a
leitura e em breves palavras agradeceu as homenagens prestadas, prometendo, no
relato que tiver a fazer ao ilustre ministro do reino da missão especial de que
fora incumbido, enviar a representação apresentada, prometendo ao mesmo tempo
secundar tanto quanto possa particularmente ante s. ex.ª o Sr. Conselheiro João
Franco com cuja velha amizade muito se honra, a justíssima reclamação dos
signatários, cuja representação gostosamente aceita.»