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29/10/2021

AS VISITAS DO REI D. CARLOS I A FAFE (1906 e 1907)

 


Largo D. Carlos I, c. 1906


D. Carlos I, “O Diplomata”, subiu ao trono de Portugal em 19 de Outubro de 1889, numa época de grande convulsão política e profunda insatisfação popular.

O rotativismo, alternância governamental entre os principais partidos, o Partido Regenerador e o Partido Progressista, provocou o desgaste gradual de um regime, cada vez mais contestado, com parcos recursos financeiros.

Surge o movimento republicano que, vendo gorada uma tentativa de golpe de estado, acaba por matar o Rei e o Príncipe herdeiro. Em pleno Terreiro do Paço, tiros disparados por entre a multidão, tiram a vida ao penúltimo Rei de Portugal, com 44 anos de idade, em 1 de Fevereiro de 1908.

Curiosamente, o Rei D. Carlos I visitou a Vila de Fafe nos dois anos que antecederam o seu assassinato, em 1906 e 1907.

Foram duas visitas rápidas, quase obrigatórias, motivadas por duas viagens para as termas de Pedras Salgadas, onde o monarca fez vários tratamentos.

 

A visita de 1906

 

O dia 17 de Julho de 1906 foi um dia de festa para uma vila pacata, hospitaleira, que quis receber o Rei com dignidade, embelezando o largo ao qual o monarca emprestou o seu nome.

“Todos os habitantes, manhã cedo, começaram a ornamentar as fachadas dos seus prédios, a que deu a um tom alegre a profusão das bandeiras e a variedade das colchas”.

Cerca do meio dia, várias bandas de música romperam por entre a multidão que aguardava a entrada de D. Carlos no centro da Vila, junto aos improvisados Paços do Concelho, na luxuosa casa do Dr. Florêncio Monteiro, sobre o passeio público, hoje Rua António Saldanha.

“Para communidade do régio visitante, havia, em frente de aquelle edifício, uma ampla escada, que lhe dava ingresso”.

Pelas 13.30 horas, juntaram-se às autoridades locais o Governador Civil, Dr. Amorim Novaes, Visconde de Nespereira e o secretário do Governo Civil, Dr. Gaspar Malheiro.

O automóvel real, que transportava também o Conde de S. Lourenço, António de Noronha e Thomaz Brayner, sofreu uma avaria junto ao palacete da família Azevedo, na actual Rua dos Aliados, que atrasou a chegada que viria a acontecer cerca das 15 horas, sob o “estralejar da dynamite”.

 

“Foi um verdadeiro delírio aquele momento: - aos acordes do hymno nacional juntou-se a ovação, frenética e quente, da alma popular, que, n’um drapejar de lenços brancos em prolongados hosanas, saudava e aclamava o benvindo visitante”.

 

Acompanhado pelo elenco da Câmara Municipal e outras individualidades, a “majestade” subiu o estrado ladeado de crianças, com a guarda de honra formada pela corporação dos Bombeiros Voluntários locais.

O Presidente do Senado, Dr. João Leite de Castro leu uma extensa mensagem de boas vindas.

Momento marcante foi a oferta de um par de botins ao monarca, feita pelo artista fafense Constantino Mendes.

“Pelas três e meia horas da tarde, ante uma verdadeira ovação a que não faltou o orvalhar de flores, o acenar dos lenços e o estralejar da dynamite aclamando, o augusto soberano desceu do edifício, e, tomando logar no seu automóvel dirigiu-se às Pedras Salgadas, onde por um mez, se demorará fazendo uso d’aquellas aguas”.

Fonte: Jornal “O Povo de Fafe”, 18 de Julho 1906

 

 

Pouco mais de 30 minutos demorou a passagem do Rei D. Carlos I pela vila de Fafe. O povo aclamou, as autoridades cumpriram o protocolo e a imprensa local noticiou, sem antes, o semanário republicano “O Desforço” desempenhar o seu papel de oposição à monarquia:

 

 

«A MAGESTADE»

 

Como é sabido, a Magestade deste reino foi aconselhado o uso de umas aguas do norte do paiz, na presenteephocha. As indicadas foram as das Pedras Salgadas. Por isso parece que temos aqui passagem real no dia 15 do corrente, andando-se por isso a consertar as estradas, não vá o automóvel tropeçar, e… cair.

Quando por estas terras passam reis ou ministros, é que se concertam estradas, é que se põe tudo em ordem.

Quando o povo reclama esses concertos, embora os buracos das estradas façam tombar carros e esses tombos produzam ferimentos ou mortes, nunca é atendido.

São assim as coisas em Portugal.

Ainda bem, que da passagem da Magestade por estes sítios, o povo, que tudo paga e que tudo produz, lucra o concerto das estradas que aqui, como por todo o paiz, se acham em lastimoso estado.»

 

In: Jornal “O Desforço”, 5 de Julho de 1906



Casa de Florêncio Monteiro por onde passou o monarca em 1906 e 1907
(Rua António Saldanha) 


A Visita de 1907


El-Rei

Veio o Rei! – Chegou o Rei!

- Viva o Rei!

E’ o que se dizia, é que o que se ouvia por toda a parte!

No largo flutuaram muitíssimas bandeiras de varias cores e efeitos; 4 bandas de de musica fizeram ouvir por entre o estralejar da dynamite. Os seus acordes, e a nossa câmara, em uma casa emprestada, deu as boas vindas a el-rei.

Isto é a repetição do que se passou há 12 mezes, pouco mais ou menos, e a despeza deve ser também a repetição da do anno passado.

Ora, a falar a verdade, no espaço de 12 mezes, uma despeza de um comto de reis aproximadamente não é, nem pode ser agradável a um concelho pobre e carregado de dividas como é o nosso.

E que proveito, em boa logica, temos conseguido d’estas regias visitas que nos levam os olhos da cara?

Uma carta de concelho!

Nada mais.

Será, queremo-lo confessar como monarchico, muito justo, muito agradável, fazer festas ao rei, mas o que não é justo, nem agradável, nem legitimo é gastar dinheiro por esta forma ao pobre do contribuinte, que não auctoriza nem por certo autorizou semelhante despesa e que – sabe-o Deus! – muitas vezes não tem 20 reis para comprar de sardinhas, quando o sardinheiro lhe passa a porta!

Verdade é que a nossa terra marcha na vanguarda do progresso.

A quem, porem, se deve isso, senão ás suas próprias forças?

Nós, os fafenses nunca recebemos do estado nem um centil, o que não acontece a algumas terras nossas vizinhas, que teem recebido vários e muito admirados benefícios, para o que nós – digamo-lo em abono da verdade – também pagamos.

E’ justo, justíssimo até que fossemos reconhecidos pelo amiudado das visitas regias se ellas tivéssemos, ou dos cofres do estado, recebido alguma cousa.

O que, porem, temos colhido, senão contribuições pesadíssimas, bem pouco de molde para nos regozijarmos?

Tudo quanto há aqui, tudo quanto temos, tudo quanto nos honra é de iniciativa particular.

Hospital, azilos, jardim público e caminho de ferro a quem se devem?

As casas de caridade e jardim – aos filhos d’esta terra, que, longe da sua pátria e arriscando a vida, trabalharam muito e muito; e o caminho de ferro deve-se a uma empresa que nenhum subsidio recebeu do estado.

Talvez por isso, talvez só por isso é que a recepção ao monarca, na terça-feira, não foi intensamente carinhosa, reconhecidamente bem querida.

 

In: Jornal “O Povo de Fafe”, 15 de Agosto de 1907




http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/IlustracaoPortuguesa.htm

 

 

 Biografia de D. Carlos I