D. Carlos I, “O Diplomata”, subiu ao trono de Portugal em
19 de Outubro de 1889, numa época de grande convulsão política e profunda
insatisfação popular.
O rotativismo, alternância governamental entre os
principais partidos, o Partido Regenerador e o Partido Progressista, provocou o
desgaste gradual de um regime, cada vez mais contestado, com parcos recursos
financeiros.
Surge o movimento republicano que, vendo gorada uma
tentativa de golpe de estado, acaba por matar o Rei e o Príncipe herdeiro. Em
pleno Terreiro do Paço, tiros disparados por entre a multidão, tiram a vida ao
penúltimo Rei de Portugal, com 44 anos de idade, em 1 de Fevereiro de 1908.
Curiosamente, o Rei D. Carlos I visitou a Vila de Fafe
nos dois anos que antecederam o seu assassinato, em 1906 e 1907.
Foram duas visitas rápidas, quase obrigatórias, motivadas
por duas viagens para as termas de Pedras Salgadas, onde o monarca fez vários
tratamentos.
A visita de 1906
O dia 17 de Julho de 1906 foi um dia de festa para uma
vila pacata, hospitaleira, que quis receber o Rei com dignidade, embelezando o
largo ao qual o monarca emprestou o seu nome.
“Todos os habitantes, manhã cedo, começaram a ornamentar
as fachadas dos seus prédios, a que deu a um tom alegre a profusão das
bandeiras e a variedade das colchas”.
Cerca do meio dia, várias bandas de música romperam por
entre a multidão que aguardava a entrada de D. Carlos no centro da Vila, junto
aos improvisados Paços do Concelho, na luxuosa casa do Dr. Florêncio Monteiro,
sobre o passeio público, hoje Rua António Saldanha.
“Para communidade do régio visitante, havia, em frente de
aquelle edifício, uma ampla escada, que lhe dava ingresso”.
Pelas 13.30 horas, juntaram-se às autoridades locais o
Governador Civil, Dr. Amorim Novaes, Visconde de Nespereira e o secretário do
Governo Civil, Dr. Gaspar Malheiro.
O automóvel real, que transportava também o Conde de S.
Lourenço, António de Noronha e Thomaz Brayner, sofreu uma avaria junto ao
palacete da família Azevedo, na actual Rua dos Aliados, que atrasou a chegada
que viria a acontecer cerca das 15 horas, sob o “estralejar da dynamite”.
“Foi um verdadeiro delírio aquele momento: - aos acordes
do hymno nacional juntou-se a ovação, frenética e quente, da alma popular, que,
n’um drapejar de lenços brancos em prolongados hosanas, saudava e aclamava o
benvindo visitante”.
Acompanhado pelo elenco da Câmara Municipal e outras
individualidades, a “majestade” subiu o estrado ladeado de crianças, com a
guarda de honra formada pela corporação dos Bombeiros Voluntários locais.
O Presidente do Senado, Dr. João Leite de Castro leu uma
extensa mensagem de boas vindas.
Momento marcante foi a oferta de um par de botins ao
monarca, feita pelo artista fafense Constantino Mendes.
“Pelas três e meia horas da tarde, ante uma verdadeira
ovação a que não faltou o orvalhar de flores, o acenar dos lenços e o
estralejar da dynamite aclamando, o augusto soberano desceu do edifício, e,
tomando logar no seu automóvel dirigiu-se às Pedras Salgadas, onde por um mez,
se demorará fazendo uso d’aquellas aguas”.
Fonte: Jornal “O Povo de Fafe”, 18 de Julho 1906
Pouco mais de 30 minutos demorou a passagem do Rei D.
Carlos I pela vila de Fafe. O povo aclamou, as autoridades cumpriram o
protocolo e a imprensa local noticiou, sem antes, o semanário republicano “O
Desforço” desempenhar o seu papel de oposição à monarquia:
«A MAGESTADE»
Como é sabido, a Magestade deste reino foi aconselhado o
uso de umas aguas do norte do paiz, na presenteephocha. As indicadas foram as
das Pedras Salgadas. Por isso parece que temos aqui passagem real no dia 15 do
corrente, andando-se por isso a consertar as estradas, não vá o automóvel
tropeçar, e… cair.
Quando por estas terras passam reis ou ministros, é que
se concertam estradas, é que se põe tudo em ordem.
Quando o povo reclama esses concertos, embora os buracos
das estradas façam tombar carros e esses tombos produzam ferimentos ou mortes,
nunca é atendido.
São assim as coisas em Portugal.
Ainda bem, que da passagem da Magestade por estes sítios,
o povo, que tudo paga e que tudo produz, lucra o concerto das estradas que
aqui, como por todo o paiz, se acham em lastimoso estado.»
In: Jornal “O Desforço”, 5 de Julho de 1906
A Visita de 1907
Veio o Rei! – Chegou o Rei!
- Viva o Rei!
E’ o que se dizia, é que o que se ouvia por toda a parte!
No largo flutuaram muitíssimas bandeiras de varias cores
e efeitos; 4 bandas de de musica fizeram ouvir por entre o estralejar da
dynamite. Os seus acordes, e a nossa câmara, em uma casa emprestada, deu as
boas vindas a el-rei.
Isto é a repetição do que se passou há 12 mezes, pouco
mais ou menos, e a despeza deve ser também a repetição da do anno passado.
Ora, a falar a verdade, no espaço de 12 mezes, uma
despeza de um comto de reis aproximadamente não é, nem pode ser agradável a um
concelho pobre e carregado de dividas como é o nosso.
E que proveito, em boa logica, temos conseguido d’estas
regias visitas que nos levam os olhos da cara?
Uma carta de concelho!
Nada mais.
Será, queremo-lo confessar como monarchico, muito justo,
muito agradável, fazer festas ao rei, mas o que não é justo, nem agradável, nem
legitimo é gastar dinheiro por esta forma ao pobre do contribuinte, que não
auctoriza nem por certo autorizou semelhante despesa e que – sabe-o Deus! –
muitas vezes não tem 20 reis para comprar de sardinhas, quando o sardinheiro
lhe passa a porta!
Verdade é que a nossa terra marcha na vanguarda do
progresso.
A quem, porem, se deve isso, senão ás suas próprias
forças?
Nós, os fafenses nunca recebemos do estado nem um centil,
o que não acontece a algumas terras nossas vizinhas, que teem recebido vários e
muito admirados benefícios, para o que nós – digamo-lo em abono da verdade –
também pagamos.
E’ justo, justíssimo até que fossemos reconhecidos pelo
amiudado das visitas regias se ellas tivéssemos, ou dos cofres do estado,
recebido alguma cousa.
O que, porem, temos colhido, senão contribuições
pesadíssimas, bem pouco de molde para nos regozijarmos?
Tudo quanto há aqui, tudo quanto temos, tudo quanto nos
honra é de iniciativa particular.
Hospital, azilos, jardim público e caminho de ferro a
quem se devem?
As casas de caridade e jardim – aos filhos d’esta terra,
que, longe da sua pátria e arriscando a vida, trabalharam muito e muito; e o
caminho de ferro deve-se a uma empresa que nenhum subsidio recebeu do estado.
Talvez por isso, talvez só por isso é que a recepção ao
monarca, na terça-feira, não foi intensamente carinhosa, reconhecidamente bem
querida.
In: Jornal “O Povo de Fafe”, 15 de Agosto de 1907
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/IlustracaoPortuguesa.htm