A vila de Fafe recebeu e acolheu, com entusiasmo, o eminente historiador e escritor, Alexandre Herculano nos dias 21 a 23 de Agosto de 1854.
Transcrição do artigo publicado, a pedido do Padre Domingos da
Soledade Silos, no periódico bracarense, “O Moderado”.
«Snr. Redactor
Se o dever do philosopho é prescutar a verdade; o manifest-la
ao publico é obrigação do homem sensato: mas quando ella abrange a gratidão
divinisa ( se é licito assim fallar) o coração humano: para testemunhar, pois
ao nosso Literato o snr Herculano e aos habitantes de Fafe o meu
reconhecimento, peço a publicação do seguinte artigo nas columnas de seu
acreditado jornal.
Convidado pelo meu antigo e illustre amigo o snr. Joaquim
José da Costa Novaes para pregar a desta de Santo Affonso de que elle era Juiz,
fui no dia – 13 – do corrente á freguezia de Santa Comba, e na sua caza e
quinta das Vinhas, em um magnifico jantar, que deu aos deus numerosos amigos,
propuz uma saúde ao nosso litterato e escriptor o snr. Herculano (de quem na
véspera me tinha despedido em Vizella, aonde tive a honra de o acompanhar.) foi
acceita, e entusiasthicamente correspondida; e logo manifestado o desejo – de
que o snr. Herculano visitasse a terra de Fafe, encarregando-me de o convidar.
– Anui a seus rogos e ao Gerez mandei um próprio no dia 14. Felizmente o snr.
Herculano respondeo: que retornando a Guimaraes, iria a Fafe.
No dia 20 fui avisado: que o snr. Herculano na segunda feira
vinha a Guimarães, e na terça a Fafe. Preveni aquelles senhores no mesmo
domingo, pedindo-lhes: que retirassem toda a ovação publica, como opposta á
delicadeza e melindre do snr. Herculano.
Na segunda feira hospedei em minha caza o snr. Herculano, e
os cinco cavalheiros que o acompanhavam, entre elles os meus illustres amigios
Doutor Pereira Caldas e Abbades de Crespos, e Barca, e na terça feira depois de almoço, fisemos viagem para Fafe.
No alto da Portella nos esperavam o melhor de 40 cavalheiros
e chegados a Fafe, os meus passos maquinalmente se dirigiram ao presbyterio,
aonde tinha a cumprir um dever sagrado, era nada menos – a quebra d’um voto; -
sim, eu tinha protestado nunca mais retornar a Fafe, desde que morreo o prior
daquella Villa, o meu virtuoso antecessor em
em villa do Conde o amigo sem igual, o honradíssimo Paulino de Carvalho.
Este voto estava quebrado……..
Mas quando me lembrei eu, que seria o intermédio, para
transmittir ao snr. Herculano nos escarpados serros do Gerez os dezejos dos
Fafenses, e que elle annuiria a meus rogos?........
Eis o pensamento que d’algum modo me desculpava, quando
guiava meus passos ao presbyterio. De longe descobri um cipreste destinado
(talvez) á muitos annos para fazer sentinella ao melhor dos parochos. Uma pedra
sepulcral, um modesto pedestal e sobre este um simples obelisco, tudo mostra:
que o parocho philosopho e christão não consentio que os miasmas da podridão se
misturassem com as partículas do sagrado thimiama e por isso foi o primeiro a
dar o exemplo, ora seguido pelos seus freguezes; pois que um cemitério alli
esta principiando, que excepto o da minha freguezia de Villa do Conde, nenhum
outro na província o pode igualar.
Li o ephitaphio que a sua virtuosa sobrinha a snrª do ill.mo
administrador daquelle concelho – Joaquim Ferreira de Mello, tinha mandado
gravar na lousa negra: ali notei que – 50 annos – viveo aquelle, que nunca
devia morrer: ali me recordei dos desgostos que elle soffreo em Vila do Conde:
as lágrimas rebentaram de meus olhos, dobraram-se os joelhos insensivelmente,
as preces vieram a meus lábios, os responsos foram recitados, e o dever de
christão, e d’amigo estavam completos.
Dali me dirigi a caza do snr. Ferreira: é muito natural que
alguma penna mais bem aparada reconte o que ali presenciou; no entanto, eu devo
ser grato áquelles illustres cavalheiros, que em verdade, excederam a minha
espectativa nos obzequios tributados ao snr. Herculano.
Hum salão espaçoso estava coberto de folhagem d’arvores pelo tecto e lados; fustões de murta matisados de lindas e variadas flores pendiam de toda a parte: arcadas góticas vestiam as janellas e portas; e se isto foi pensamento do ilustre delegado daquella comarca o snr. Doutor Lira, eu não sei, se lhe roube a gloria para a transmittir aos illustres cavalheiros, que em menos d’um dia, fiseram tanto.
O jantar foi servido profusamente; e acrescento – se alli
fosse uma pessoa real, não sei se os de Fafe poderião ultrapassar os obzequios
que ao snr. Herculano tributaram. Uma muzica marcial tocou todo o tempo do
jantar: as saúdes foram enthusiasticamente
correspondidas, em quanto no ar retumbavam os eccos de fogos artifiaes.
Findo o jantar, a mesa desapareceu como por encanto, e sérvio o magnifico salão
para um baile aonde se reuniram o melhor de trinta e tantas senhoras. Uma
orchestra de curiosos deu principio ao baile, que findou ás duas horas.
Na manhã do dia 23 dali nos retiramos acompanhados dos
illustres cavalheiros – Prior – administrador – e Delegado, este até Guimarães
e aquelles não longe da Portella regressaram. Ao snr. Herculano e seus
companheiros servi um almoço; e findos os trabalhos da Collegiada, fez-me a
honra de acceitar o jantar, no fim do qual se retiraram para Braga deixando-me
tão penhorado pela sua bonhomia, como pela franqueza com que me tratou.
Honra, pois, ao snr. Herculano, e aos habitantes de Fafe: se
aquelle annuiu ao meu convite; estes, em obsequia-lo, nada deixaram a desejar.
Guimarães 27 d’Agosto de 1854
(Padre Domingos da Soledade Silos)
In O Moderado (Periodico Politico e Literario), nº 100, 1
Setembro de 1854.
Retrato do Padre Domingos da Soledade Silos