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10/10/2021

ALEXANDRE HERCULANO EM FAFE

 


A vila de Fafe recebeu e acolheu, com entusiasmo, o eminente historiador e escritor, Alexandre Herculano nos dias 21 a 23 de Agosto de 1854.

Transcrição do artigo publicado, a pedido do Padre Domingos da Soledade Silos, no periódico bracarense, “O Moderado”.

 

«Snr. Redactor

Se o dever do philosopho é prescutar a verdade; o manifest-la ao publico é obrigação do homem sensato: mas quando ella abrange a gratidão divinisa ( se é licito assim fallar) o coração humano: para testemunhar, pois ao nosso Literato o snr Herculano e aos habitantes de Fafe o meu reconhecimento, peço a publicação do seguinte artigo nas columnas de seu acreditado jornal.

Convidado pelo meu antigo e illustre amigo o snr. Joaquim José da Costa Novaes para pregar a desta de Santo Affonso de que elle era Juiz, fui no dia – 13 – do corrente á freguezia de Santa Comba, e na sua caza e quinta das Vinhas, em um magnifico jantar, que deu aos deus numerosos amigos, propuz uma saúde ao nosso litterato e escriptor o snr. Herculano (de quem na véspera me tinha despedido em Vizella, aonde tive a honra de o acompanhar.) foi acceita, e entusiasthicamente correspondida; e logo manifestado o desejo – de que o snr. Herculano visitasse a terra de Fafe, encarregando-me de o convidar. – Anui a seus rogos e ao Gerez mandei um próprio no dia 14. Felizmente o snr. Herculano respondeo: que retornando a Guimaraes, iria a Fafe.

No dia 20 fui avisado: que o snr. Herculano na segunda feira vinha a Guimarães, e na terça a Fafe. Preveni aquelles senhores no mesmo domingo, pedindo-lhes: que retirassem toda a ovação publica, como opposta á delicadeza e melindre do snr. Herculano.

Na segunda feira hospedei em minha caza o snr. Herculano, e os cinco cavalheiros que o acompanhavam, entre elles os meus illustres amigios Doutor Pereira Caldas e Abbades de Crespos, e Barca, e na terça feira depois de almoço, fisemos viagem para Fafe.

No alto da Portella nos esperavam o melhor de 40 cavalheiros e chegados a Fafe, os meus passos maquinalmente se dirigiram ao presbyterio, aonde tinha a cumprir um dever sagrado, era nada menos – a quebra d’um voto; - sim, eu tinha protestado nunca mais retornar a Fafe, desde que morreo o prior daquella Villa, o meu virtuoso antecessor em  em villa do Conde o amigo sem igual, o honradíssimo Paulino de Carvalho.

Este voto estava quebrado……..

Mas quando me lembrei eu, que seria o intermédio, para transmittir ao snr. Herculano nos escarpados serros do Gerez os dezejos dos Fafenses, e que elle annuiria a meus rogos?........

Eis o pensamento que d’algum modo me desculpava, quando guiava meus passos ao presbyterio. De longe descobri um cipreste destinado (talvez) á muitos annos para fazer sentinella ao melhor dos parochos. Uma pedra sepulcral, um modesto pedestal e sobre este um simples obelisco, tudo mostra: que o parocho philosopho e christão não consentio que os miasmas da podridão se misturassem com as partículas do sagrado thimiama e por isso foi o primeiro a dar o exemplo, ora seguido pelos seus freguezes; pois que um cemitério alli esta principiando, que excepto o da minha freguezia de Villa do Conde, nenhum outro na província o pode igualar.

Li o ephitaphio que a sua virtuosa sobrinha a snrª do ill.mo administrador daquelle concelho – Joaquim Ferreira de Mello, tinha mandado gravar na lousa negra: ali notei que – 50 annos – viveo aquelle, que nunca devia morrer: ali me recordei dos desgostos que elle soffreo em Vila do Conde: as lágrimas rebentaram de meus olhos, dobraram-se os joelhos insensivelmente, as preces vieram a meus lábios, os responsos foram recitados, e o dever de christão, e d’amigo estavam completos.

Dali me dirigi a caza do snr. Ferreira: é muito natural que alguma penna mais bem aparada reconte o que ali presenciou; no entanto, eu devo ser grato áquelles illustres cavalheiros, que em verdade, excederam a minha espectativa nos obzequios tributados ao snr. Herculano.



"Casa das Abelheiras", que acolheu Alexandre Herculano, já desaparecida, foi propriedade de Joaquim Ferreira de Melo. Esta opulenta casa localizava-se no actual Largo Ferreira de Melo.
Foto de finais dos anos 50 do século XX.


Hum salão espaçoso estava coberto de folhagem d’arvores pelo tecto e lados; fustões de murta matisados de lindas e variadas flores pendiam de toda a parte: arcadas góticas vestiam as janellas e portas; e se isto foi pensamento do ilustre delegado daquella comarca o snr. Doutor Lira, eu não sei, se lhe roube a gloria para a transmittir aos illustres cavalheiros, que em menos d’um dia, fiseram tanto.

O jantar foi servido profusamente; e acrescento – se alli fosse uma pessoa real, não sei se os de Fafe poderião ultrapassar os obzequios que ao snr. Herculano tributaram. Uma muzica marcial tocou todo o tempo do jantar: as saúdes foram enthusiasticamente  correspondidas, em quanto no ar retumbavam os eccos de fogos artifiaes. Findo o jantar, a mesa desapareceu como por encanto, e sérvio o magnifico salão para um baile aonde se reuniram o melhor de trinta e tantas senhoras. Uma orchestra de curiosos deu principio ao baile, que findou ás duas horas.

Na manhã do dia 23 dali nos retiramos acompanhados dos illustres cavalheiros – Prior – administrador – e Delegado, este até Guimarães e aquelles não longe da Portella regressaram. Ao snr. Herculano e seus companheiros servi um almoço; e findos os trabalhos da Collegiada, fez-me a honra de acceitar o jantar, no fim do qual se retiraram para Braga deixando-me tão penhorado pela sua bonhomia, como pela franqueza com que me tratou.

Honra, pois, ao snr. Herculano, e aos habitantes de Fafe: se aquelle annuiu ao meu convite; estes, em obsequia-lo, nada deixaram a desejar.

Guimarães 27 d’Agosto de 1854

D. da S. Sillos»

(Padre Domingos da Soledade Silos)

In O Moderado (Periodico Politico e Literario), nº 100, 1 Setembro de 1854.

 


Retrato do Padre Domingos da Soledade Silos